quinta-feira, 26 de abril de 2012

O MUNDO ENVELHECE, AS INJUSTIÇAS AINDA PERSISTEM, E, ENTRETANTOS, MEU PAI FAZ 102 ANOS...


Imagem publicada – uma foto colorida que tirei lá em Minas Gerais, na minha terra natal, Cambuquira, onde se vê um vasto céu azul ao fundo, com árvores em segundo plano, todas vicejando e verdes-vivas, no primeiro plano aparecem, em destaque no céu, galhos secos e velhos que fazem parte de um árvore-envelhecida. Um detalhe nos chama atenção que é a casa de barro de um pássaro: o João de barro. É, nesses aparentes galhos que se lançam ao céu como veias e artérias, que o passarinho encontrou seu melhor abrigo e futuro protegido, e lá permanecerá até que a velha árvore caia...

“A vida é uma viagem experimental, feita involuntariamente. É uma viagem do espírito através da matéria, e como é o espírito que viaja, é nele que se vive. Há, por isso, almas contemplativas que têm vivido mais intensa, mais extensa, mais tumultuariamente do que outras que têm vivido externas. O resultado é tudo. O que sentiu foi o que se viveu...” (Fernando Pessoa através Bernardo Soares)

Estamos cansados de nossas dores? E das dores do mundo também? Qual será nossa pro-cura?

HÁ TEMPOS EM QUE SONHAMOS COM OUTRO MUNDO, OUTRA NÃO FINITUDE DA VIDA.Eis que aquela Senhora Dona Morte nos incomoda e nos toma por inteiro. Eu aqui Outro Pessoanamente dessassossegado, por mais que lhe escreva novas cartas de-vidas, ela continua ainda sem me dar as respostas definitivas. E sinto que os anos da velhice já se anunciam.

O mundo esta envelhecendo. A notícia de que me 2050 teremos muito mais pessoas idosas do que jovens me preocupa. A minha atual situação me faz pensar na transitoriedade e no fim de todos e todas.Porém há um aviso que vem junto com esta constatação da OMS: teremos triplicado também o número de idosos com demências.

Segundo a especialista: "Minha mensagem é que o envelhecimento da população é algo que deve ser abordado. Há uma mudança dramática que atingirá tanto o mundo em desenvolvimento como o desenvolvido", disse Somnath Chatterji, coordenadora do estudo Global sobre o Envelhecimento e a Saúde Adulta da Organização Mundial da Saúde (OMS.

Escrevi no texto anterior sobre a necessidade de mantermos a presença do que chamamos de nossa Mente quando se decidir sobre a anencefalia. A expectativa que me causa medo agora, quiçá até certo pânico, é essa trágica perda de contato com o mundo, mesmo que envelhecido, para os que vivenciarão este prognóstico demenciador.

Como não temer esse futuro? Talvez eu não tenha as respostas para nossos tremores e temores. As respostas sempre são múltiplas e plurais. Porém, posso tentar lhes avisar sobre algumas reflexões que já foram feitas por quem estudou e analisou essas psicologias do viver e do morrer.

Há em todos e todas as criaturas com Vida um temor ou medo da Morte e do Morrer. Eu já experimentei esse fel, ou melhor, esse doce veneno.
Principalmente quando tenho de enfrentar situações onde a injustiça ou negação de seu acesso esteve presente. Eis um estímulo final para a gota que enche o copo que já estava cheio de depressão.

Há sempre os que se supõem capazes, especialistas ou dotados de poder, que se sentem nesse lugar supremo. Os que podem mudar as leis sobre a aposentadoria, os que podem cassar e reduzir o tempo de alguns que desejam sair da vida laborativa, os que doutos se sentem para instituir o que eles próprios nunca vivenciarão: asilos, isolamentos, pauperização ou mesmo a morte solitária.

Há, então, que repensar nossos desejos de fazê-los apenas “nossos velhos”. Como no texto anterior, lembrando-se de Narayama, ainda temos de derrotar nossos preconceitos e estigmas sobre a velhice. Vivenciamos no atual modelo de vida sócio-político e jurídico, o risco de nos tornarmos uma Sociedade que pratica e praticará o “gerontocídio”.

Os que se vestem de fardas, togas ou ternos pretendentes a um lugar de eterna autoridade podem ainda causar muitos estragos nesse processo do envelhecimento da Gaia. Assim como dos nossos idosos, ou melhor, todos e todas nós...

São os que ocupam papéis de decisão sobre os rios, as matas, os bichos, os índios, as florestas, incluindo aí dos os dilemas bioéticos do nascer ao morrer da Vida. Estão, como se não fossem envelhecer, lá Câmara, no Palácio, no Senado ou nos seus supremos assentos...

Porém esses senhores e senhoras também estão envelhecendo. E, recentemente, o mundo pode assistir com uma Dama de Ferro, inglesa, após sua senectude pronunciada pode tornar-se pateticamente mais uma pessoa demenciada. Há e haverá muitas Margareths ainda na História esse mundo que caminha com passos largos para sua própria devastação.

Poderá a Terra também tornar-se “demente”? Sim e ainda poderá apresentar algumas convulsões, algumas formas estranhas de tique, e, principalmente, voltar-se para a barbárie aceitando as falsas falas de extremistas de direita como Breivik, lá na Noruega.

Tivemos esses dias mais um DIA DA TERRA. Acho que a maioria do mundo nem se mexeu na direção de sua real comemoração: a sua redenção e urgente salvamento. Esquecida a data mundial a cada dia temos mais Sírias a resolver. Temos mais malárias a combater, e a tuberculose agora é um “privilégio” de quem depende do Crack, no presente de seu aniversário. Por aqui os ruralistas e os seus interesses irão destruir mananciais.

A Terra pode realizar os filmes futuristas de devastação, solidão, medo, isolamento e completar seu desfecho abraçando-se com a Dona Morte. Ou, então, reproduzir o que a propaganda da TV já naturaliza quando, saturada, ela nos “espirra” e lança no espaço todos os seus habitantes humanos.

Mas ainda podemos crer como dizia Erich Fromm em uma ‘’revolução da esperança’’. Aliás, essa palavra já foi até associada a uma de nossas mais brasileiras maneiras de ser e sonhar. Este psicanalista, ao vivenciar a crise mundial de 1968, já apontava o nosso risco de mecanização do viver e as tecnocracias tornando-se mais forte que a esperança.

Entretanto, ele acreditava que em um renascimento do humanismo e fazia um apelo à ação grupal. Ele interrogava: “De que maneira o homem, no auge da sua vitória sobre a natureza, torna-se prisioneiro de sua própria criação e corre sério perigo de se destruir?”.

Tentando, com olhar voltado para mim mesmo, responder a sua indagação é que retornei à foto e ao dia em que a tirei. Ela é um pedaço da terra onde até hoje meu pai insiste em plantar e colher. Um homem rural que não se tornou nunca um ruralista, muito mais um fervoroso aprendiz do meio ambiente.

Ele, que agora no dia 30 de abril, completa os seus 102 (cento e dois) ANOS. O meu querido Arnaldo sempre foi um homem do mato. Ele é que levava pelas estradas que nos conduzem ao respeito à Terra, a terra e seus mananciais. Com ele aprendi serenamente a observar como semear e como tentar colher. Ele já tinha um código de ética com as florestas...

A ele estarei rendendo todas as minhas homenagens possíveis. Ele me revelou como é preciso ser “camarada” e “velho companheiro” da nossa uterina mãe Gaia. Talvez, quem sabe, este velho romeiro e caminhante tenha me trazido os primeiros ensinamentos ecosóficos. Ainda que não tivesse todos os saberes, os mesmos que me proporcionou com seu trabalho e as mãos calejadas na roça.

Aos filhos, fazendo coro com minha mãe, só um grande legado e herança: o conhecimento. Esta seria talvez uma das saídas para responder ao que indagamos. Sair de um modelo e paradigma tecnocrático e desumanizador para um novo paradigma ético, estético e político como queria Guattari.

O psicanalista também interrogava como podemos estar produzindo pessoas doentes para que possamos ter uma economia sadia. Eis que, cada dia mais, o hipercapitalismo se locupleta com as desgraças, as epidemias e os sofrimentos dos desfiliados e excluídos.

O mundo envelhece, as injustiças persistem, mas há lá em Minas um senhor com 102, caminhando para os 103 anos, que olha ainda com ternura para o futuro de seus bisnetos.

Lembrei-me de meu pai com a matéria sobre o hindu que correu uma MARATONA em 08 horas. O meu velho já caminhou muitas maratonas em sua forma humilde e mansa, sempre com uma fé incomensurável, nas milhares de romarias a pé até Aparecida do Norte, cruzando a Serra da Mantiqueira. Invejo e respeito seu fervor que supera quaisquer dores ou cansaços em nome de sua fé na Vida e nos Homens.

Como então levar um pouco desse senhor idoso para o coração e as mentes daqueles que se negam a reconhecer seu próprio envelhecimento das ideias, das emoções e de seus saberes?

A ELE DEDICO ESTE TEXTO-ESPERANÇA na crença de que muitas revoluções moleculares ainda se darão, e os nossos devir-criança nos trarão de volta o prazer de pisar na terra, no chão e nele cultivar o desejo de um OUTRO MUNDO, sem a negação da diversidade, da diferença e da multiplicidade dos seres humanos. Comecemos cuidando de todas as nossas cachoeiras e das águas que turvamos e poluímos.

Ao envelhecimento e ao processo de “alzheimerização” previsto pela OMS, desejo que possamos ter muito mais Arnaldos do que Anas. Explico, é que minha mãe vivenciou, assim como nós seus amados, a experiência do Alzheimer. Digo sempre que me encontro na encruzilhada genética destes dois seres humanos, muitas vezes caminhando mais para a direção de minha mãe. Entre a longevidade com saúde e a morte precoce com uma demência.

Decorre daí o temor de nossos futuros demenciados. Não podemos perder a esperança de outras formas de viver e super-viver. Temos de ser futuristas, porém, com um olhar e sentimento bioético para com a sua, a nossa e a VIDA DA TERRA.

E, hoje, novamente eufóricos, podemos anunciar uma revolução gerada pelas ciências, vinda lá de Portugal: “Uma equipe de investigadores da Universidade de Coimbra (UC), através do seu Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), produziu uma molécula única - PiB (composto B de Pittsburgh) – que possibilita a detecção da doença de Alzheimer antes de os sintomas clínicos se revelarem, permitindo ainda distinguir esta patologia de outras formas de demência..;”

O futuro dependerá, então, de nossa mais profunda e radical revolução. Continuaremos mortais, nossas mentes-cérebros poderão demenciar, nossos corpos tornar-se-ão ciborgues, nossos corações podem vir a ser pura lata ou platina, mas podemos, apesar de tudo e todos, manter um pouco de sabedoria dos nossos velhos.

E que venha o Futuro, pois um século e dois anos o meu pai já VIVEU: intensa e amorosamente.

O mundo pode renascer! A Justiça tornar-se justa e equânime. E o meu pai terá feito parte do meu legado de sabedoria a deixar como semente.


Copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa)

Notícias citadas da Internet –

Organização Mundial de Saúde- Demência afeta 35,6 milhões e triplicará até 2050
http://www.dn.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=2413153&seccao=Sa%FAde

Em 14 anos, São Paulo terá mais idosos que crianças http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,em-14-anos-sao-paulo-tera-mais-idosos-que-criancas,533252,0.htm

Em 2050, mundo terá mais idosos que crianças http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI1543102-EI294,00-Em+mundo+tera+mais+idosos+que+criancas.html

Universidade de Coimbra produz molécula para detecção precoce da doença de Alzheimer http://www.rcmpharma.com/actualidade/id/23-04-12/universidade-de-coimbra-produz-molecula-para-deteccao-precoce-da-doenca-de-a

Homem de 100 anos completa maratona
http://www.jn.pt/VivaMais/Interior.aspx?content_id=2061898
LIVROS para reflexão e crítica –

LIVRO DO DESASSOSSSEGO – Fernando Pessoa, Vol. II, Editora Unicamp, Campinas, SP, 1994)
PSICOLOGIA DA MORTE – Robert Kastenbaum e Ruth Aisenberg, Editora Universidade de São Paulo, São Paulo, SP , 1983.
A REVOLUÇÃO DA ESPERANÇA, por uma tecnologia humanizada – Erich Fromm, Editora Círculo do Livro & Zahar Editores, Rio de Janeiro, RJ,

LEIA TAMBÉM NO BLOG:

QUEM NÃO GOSTARIA DE VIVER 100 ANOS?
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/04/quem-nao-gostaria-de-viver-100-anos.html

SEREMOS, NO FUTURO, CIBORGUES? Para além de nossas deficiências humanas
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/02/seremos-no-futuro-ciborgues-para-alem.html

A PARÁBOLA DA ROSA AZUL
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/05/parabola-da-rosa-azul.html

ALZHEIMER NÃO É UMA PIADA, mas pode ser poesia de vida
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/06/alzheimer-nao-e-uma-piada-mas-pode-ser.html

POR QUE AS TECNOLOGIAS NOS AFETAM?
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/04/por-que-as-tecnologias-nos-afetam.html

domingo, 8 de abril de 2012

RISCOS DE UMA ANENCEFALIA DA/NA JUSTIÇA SUPREMA

Imagem Publicada – Uma foto colorida que é parte do filme Balada de NARAYAMA; tem um homem japonês, de meia idade, carregando nas costas uma mulher idosa, com seus 69/70 anos, e que de forma pungente a levará, como se levavam as ‘’inúteis’’ pessoas com deficiência para o alto da montanha nos tempos Greco-espartanos. No fim do século XIX, em um pequeno vilarejo japonês, o morador que completa 70 anos de idade deve subir ao topo de uma sagrada montanha e aguardar por sua morte. Aquele que se recusa a cumprir a tradição traz a desonra para sua família. Mas para Orin (Sumiko Sakamoto), uma senhora de 69 anos, procurar uma esposa para o seu filho mais velho, Tatsuhei (Ken Ogata), é mais preocupante do que cumprir a amarga tradição. Vencedor da palma de Ouro no Festival de Cannes em 1983, balada de Narayama é um belo e sensível filme do diretor Shohei Imamura, o primeiro realizador japonês a receber duas Palmas de Ouro no Festival.

“Se não nos assombramos a todo momento com a consciência, é porque ela é muito disponível, fácil de usar, elegante em seus espetaculares aparecimentos e desaparecimentos diários. Mas, quando nos pomos a refletir sobre ela, todos nós, cientistas ou não cientistas, ficamos perplexos...” (Antonio Damasio)

Há alguns dias pensei, mais uma vez, nas conversas com a Dona Morte e as cartas que lhe devo mandar, mesmo sem sua reciprocidade. A Justiça tinha me trazido essa pulsão tanática novamente ao meu âmago. 

Há sempre a possibilidade de que quando alguém lhe julga, assim como a sua causa, de fazê-lo de forma discriminatória. E é nessa hora que a ausência de ‘’cérebro’’ pode pesar. Ele pode nos ajudar em nossos próprios julgamentos mortais e irrevogáveis. Aos que nos julgam o que pesa?

No Dia Mundial da Saúde, 07 de abril, estamos informados pela OMS de que teremos de viver com uma inversão de dados populacionais: “Em 2050 haverá cerca de 400 milhões de idosos com mais de 80 anos, frente aos 14 milhões que havia em meados do século 20”. Teremos muito mais idosos que jovens e crianças. Como promover, então, o direito à Saúde, à Vida e à Morte com Dignidade agora e visar o futuro?

A minha citação do filme Balada de Narayama é uma alegoria de nosso possível futuro? Em condições de extrema necessidade de sobrevivência, o que faremos com os nossos ‘’velhos’’? 

Em que precipício ou exposição à morte pela Natureza iremos “sacrificar” essas novas “velhas e encarquilhadas Vidas Nuas”? Não praticamos, há séculos, outras formas de eugenia ou eliminação de indesejáveis ou anormais? As neves de Narayama nos esperarão?

Nosso futuro com o envelhecimento se afigura, então, como um tempo de exclusões. Teremos então a opção entre o morrer com dignidade ou morrer à mingua. As economias estão fundamentando alicerces para estes cadafalsos que nos retirarão todo ar, toda a vida, todos os direitos.

Os primeiros cortes econômicos recentes, como os 5,4 bilhões, foram da Saúde, apesar de os recursos de outras áreas do Governo Federal ainda alimentarem diferentes tipos de má-gestão, desvios ou corrupção. E, lá fora, como em velhos tempos, o FMI determina mais corte em anos das aposentadorias e direitos conquistados. Chegaremos lá?

Há uma dura certeza: iremos ter no futuro muito mais “trabalho” árduo para todos. As condições de vida precarizada, sem precisar do amanhã, já estão levando ao suicídio um homem idoso na Grécia atual. Nesse mesmo futuro, todos e todas, mantida a lógica do hipercapitalismo, terão de render mais para abastecer os fundos de aposentadoria. E demorarão em conquistá-la, muito menos usufruí-la sem seus direitos efetivados.

Re-trabalharemos por mais horas apesar de todos os avanços. O reino de Cronos (o Tempo) devorará toda a privacidade e o ócio? Apesar de toda a virtualidade, se não comprometermos a Humanidade com uma mudança de paradigmas, na direção de novas cartografias do viver e dos Direitos Humanos, que tempo vivido nos restará?

Temos de ouvir o aviso que nos dá o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior: “A maior ameaça [à saúde no mundo] é o momento político. Em função de uma crise estrutural, a saúde está cada vez mais ameaçada pela possibilidade de ser transformada única e exclusivamente em mercadoria e não tratada como direito do ser humano”.

Já trocamos um rim por um IPad na China. E milhares de corpos são diariamente transformados em mercadoria no mercado de órgãos, portanto sua saúde já esta mercantilizada. O precisamos é refletir os diferentes riscos que se afiguram com as crises capitalisticamente produzidas. Temos apenas a produção de vidas comercialmente ‘’matáveis’’?

Temos também muitos outros riscos e ameaças que nos vulnerabilizam, sempre em associação com as práxis políticas. Temos os velhos hábitos, velhas batinas, velhos coturnos e as velhas togas que ainda atravessam os direitos humanos. A saúde de cada um e de todos passa ainda por muitos preconceitos arraigados e entranhados nas diferentes culturas do mundo globalizado.

Estes são os alicerces de nossas vulnerações atuais... Quando “velhos” não significar apenas passagem do tempo e idade biológica ou psicológica, mas sim fundamentalismos e conservadorismos ideológicos, como os apegos aos pijamas dos tempos da Ditadura militar brasileira.

O que teremos de lidar nos próximos dias nos demonstrará essa tríplice aliança entre a Política, a Religião e a Justiça. Em poucos dias teremos de ouvir nosso STF (Supremo Tribunal Federal) determinar uma resolução sobre as mulheres que tem ou não o direito a uma antecipação de seu parto.

Isso mesmo, antecipar um parto. Não é o que estão alardeando com abertura para um abortamento injustificado, ou como dizem um aborto generalizante de qualquer forma de vida.

Há evangelizadores fanáticos que usam as ignorâncias sobre o assunto, apregoam um falso respeito à vida, contanto que lhes tragam mais poder e enriquecimento, inclusive político. Estes constroem, com seu eleitorado cativo e alienado, um verdadeiro lobby no atual Governo Federal.

A realidade que cerca a maioria das mulheres que trouxeram ou trazem um concepto com anencefalia estão nas camadas menos favorecidas de nosso país. Muitas delas foram impedidas de acesso a seus direitos por preconceitos religiosos.

E a anencefalia foi gerada, na maioria dos casos, pelas próprias condições ambientais e alimentares destas cidadãs, não por sua crença ou afiliação partidária. Elas são simplesmente parte de um país que é campeão em algumas mazelas, e o 4º em anencefalias. 

As recentes atitudes ligadas ao campo dos Direitos Reprodutivos e Sexuais de mulheres nos desapontam. A atitude da Suprema Corte de absolvição de um ato de violência sexual contra meninas, que foi condenada internacionalmente, nos deixa com a preocupação dos rumos desta futura decisão sobre o corpo e a vida no feminino.

Se pudermos justificar, legalmente, um estupro também poderíamos ver justificada a negação do direito das mulheres sobre seu corpo e suas vidas? Perigamos cair nessa mesma atitude, ela sim portadora de uma anencefalia histórico-jurídica, e ver negado o direito de não sofrimento às mulheres com gravidezes com anencefalia.

O tema já tem alguns anos para chegar a dias a uma decisão. Em março de 2004, por uma ação conjunta do Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) e Themis (Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero), pela primeira vez na história brasileira, chegou ao ST F o processo em busca da autorização por antecipação de parto por anencefalia. (*)

Há um excelente documentário a ser visto por todos os que ainda se apegam às afirmações de crime contra a vida para as mulheres que buscam solução para os casos de anencefalia. Trata da história, com o olhar bioético de Debora Diniz e Ramon Navarro, sobre o sofrimento de Tatielle, uma mulher do interior de Goiás. Há ainda milhares delas no Brasil...

Ela está grávida de um feto que não sobreviveria ao parto. Porém um padre que sequer a conhece a impede da antecipação do parto. Ela é mandada embora do hospital. Tatielle agonizou cinco dias as dores de um parto proibido pela Religião e pela Justiça. O nome do documentário diz tudo: HABEAS CORPUS.

Desejo que possamos fazer a maior difusão possível de alguns passos já dados pela Bioética. Como no desejo de seu criador, Van Rensselaer Potter, esta complexa área pode nos ajudar a construir uma ponte para o futuro. É a mesma ponte do passado que liga a personagem japonesa Orin à vida real de Tatielles brasileiras.

E essa ponte nos impõe dilemas que vão do início até o fim da Vida. Das vidas severinas mais humildes e humilhadas até as mais poderosas e ricas. As últimas ainda podem pagar por órgãos no mercado ou não frequentarem clínicas de aborto clandestinas... e sobrevivem.

Na montanha de Narayama dos tempos futuros continuariam sendo as mulheres, idosas ou não, os corpos sacrificáveis em nome de alguma convenção, norma ou tradição político-religiosa-cultural? Ou por novas políticas de saúde? Ou serão novas leis que, ao acompanhar a História, farão justiça real e efetiva para elas?

ENFIM, o que podemos pedir, humildemente, à nossas Supremas Justiças? Que primeiramente, para além dos cânones e dos princípios romanos do Direito, utilizem seus “mais uterinos” afetos, mas principalmente que julguem utilizando todos os recursos de seus cérebros, mentes e corações (selfs).

Segundo Damasio foram os cérebros que criaram os homens e sua consciência, assim como sua Humanidade, e não o contrário. Para o autor “...mais do que buscar a morada da mente, do self e da consciência no cérebro é levantar possibilidades de como essas capacidades surgem...”. Essas capacidades que nos auxiliariam a estabilidade de nossos organismos e a previsão do futuro.

Somente com um cérebro, com todas as suas possibilidades e limitações é que podemos refletir sobre a VIDA. Não precisa ser normal, nem mesmo perfeito, mas é preciso para a vida biológica que esteja lá.

A anencefalia, pelo não fechamento do tubo neural, é uma determinação intraútero da impossibilidade biológica de uma mente. Precisamos de um mínimo de self e consciência, mesmo que venham a ser totalmente incapazes de julgar, criticar ou condenar, após nosso nascimento. Afinal, somos ou não somos todos imperfeitos seres humanizados?

Portanto, pensando e refletindo sobre nossos futuros é que não podemos sacrificar nossos envelhecimentos, não podemos decretar a imortalidade, não devemos buscar corpos eugenicamente perfeitos, e, mais, não podemos negar a morte quando ela já se decretou dentro de útero...

LIVREM-SE OS CORPOS FEMININOS DE NOSSOS FARDOS E PRECONCEITOS, DE QUALQUER ESPÉCIE, TIPO, GÊNERO OU IDEOLOGIAS.... E seus direitos de Saúde Sexual e Reprodutivos sejam comemorados depois dessa semana na mais alta corte de Justiça de nosso país.

Não nos basta viver com dignidade, mas é indispensável e um direito humano o morrer com dignidade. Não é um direito a ser concedido ou julgado. É APENAS UM DIREITO... Humanamente vital, assim como a Saúde é fundamental para o gozo e exercício de todos os outros direitos.

E assim poderei reencontrar em mim o desejo indispensável de acreditar na chamada Justiça dos homens... E das mulheres.


PS- me desculpem caso o texto não agrade a todos e todas, mas o meu/nosso direito à opinião é e deve ser garantido, e minha saúde está afetada nestes dias. Além das dores habituais e velhas companheiras a minha mente foi turvada por uma sinusite aguda e a necessidade de antibioticoterapia. Retomo a luta pela Grande Saúde. Fizeram-me, as dores, buscar o recurso de meu self e da crítica para não deixar passar em branco e ao léu esses momentos jurídico-legais que virão nessa semana... assim com os que espero ter o direito de exercer no futuro.

Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012-2013 - 2022 Ad infinitum, todos direitos reservados (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

NOTÍCIAS citadas no texto na INTERNET -

OMS alerta sobre desafio de um mundo com mais idosos que crianças 


Após 8 anos, STF decidirá sobre aborto de anencéfalos 

Autorizada interrupção de gravidez de feto anencéfalo http://bioeticaebiodireito.blogspot.com.br/search/label/Anencefalia

Crise econômica é a maior ameaça à saúde no planeta, alerta CNS 

Acusado de estuprar prostitutas menores é inocentado no STJ



China prende cinco em caso de garoto que vendeu o rim para comprar iPad http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2012/04/120406_china_rim_ipad_cc.shtml

FILMES CITADOS NO TEXTO:

A BALADA DE NARAYAMA – direção Shohei Imamura, Japão, 1983

HABEAS CORPUS - um filme de Debora Diniz e Ramon Navarro

LEITURAS INDICADAS-
E o CÉREBRO CRIOU O HOMEM – Antonio Damasio, Editora Companhia das Letras, São Paulo, SP, 2011.

TÓPICOS EM BIOÉTICA (*Interrupção da gestação em casos de anencefalia: opinião de mulheres de classes populares em Teresina – Gisleno Feitosa) – Sérgio Costa, Malu Fontes e Flavia Squinca (Orgs.), Editora Letras Livres, Brasília, DF, 2006.

LEIA TAMBÉM NO BLOG


SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS COMO DESAFIO ÉTICO PARA A CIDADANIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/06/saude-mental-e-direitos-humanos-como.html

A SAÚDE E O SENTIDO PARA A VIDA II

MULHERES, SANGUE E VIDA, para além de sua exclusão histórica https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html