segunda-feira, 8 de agosto de 2011

AS SEXUALIDADES NÃO SÃO "DEFICIENTES"...


Imagem publicada - a capa do Dvd do filme Nascido em 04 de Julho ( Born on the Fourth July) que está com o rosto do jovem soldado Ron Kovic, interpretado por Tom Cruise, entre as duas faixas de anúncio do filme, com uma bandeira dos Estados Unidos, com suas listas brancas e vermelhas alternadas, com seu azul cheio de estrelas, que lhe serve de fundo, de forma suave. O filme nos trará um drama sobre um jovem que vai à Guerra do Vietnã (1955-1975) em seu idealismo insuflado dos Anos 70, e, após ser ferido, torna-se paraplégico. Ao voltar ao seu país terá o confronto com a família, as perdas, sua nova condição humana, a exaltação de um heroísmo preso à sua cadeira de rodas. E, principalmente, enfrentará/sofrerá as mudanças de seu corpo e de sua sexualidade. Um tema que já havia sido tratado em outro premiado filme: Amargo Regresso (1978), título que também caberia nessa história e tema em repetição.

Sobre direitos sexuais e reprodutivos de pessoas com deficiência

Hoje revi e repensei sobre o filme Nascido em 04 de Julho (1989). Nesse mesmo momento a Bolsa de Nova York nos diz que o mundo hipercapitalista reconhece seu próprio risco econômico. Rebaixam o Império ao mesmo nível que rebaixaram o México que aparece no filme de Oliver Stone. Lá estão as mulheres mexicanas, prostituidas, que podem resgatar a virilidade perdida pelo personagem vivido por Tom Cruise, "paralítico", impotente e veterano de guerra.

Uma mulher, representada no filme com o nome Maria Helena, protagoniza uma das melhores cenas, quando o faz descobrir que, apesar de sua paraplegia, há muito que sentir quando a sensibilidade e o desejo se cruzam em um encontro sexual. Para além de todas as repressões e impotências.

Estamos, hoje, está em um patamar bem diferente dos tempos vividos pelo personagem do filme. Relembro, eram tristemente , tempos de Vietnã, os famosos Anos 70 da economia de guerra para os EUA e dos Anos de Chumbo da Ditadura por aqui. Os soldados mutilados lá, os torturados por aqui... E o sexo aprisionado apenas nos bordéis para os que se tornavam marginalizados ou párias.

Estes tempos que ainda se repetem, com novos slogans, com novas Vidas Nuas sendo tratadas como matáveis. Diziam, à época: ..."se você não ama os EUA, caiam fora daqui..., replicamos isso em nossa Terra Brasilis: " Ame-o ou Deixe-o". Mas também dizíamos: "Peace and Love". O modelo conservador conseguiu não dar uma chance à Paz e ainda mantemos a negação da repressão que atravessa nossos corpos, agora transparentes e líquidos.

Hoje, em tempos de hiperexposição dos corpos, as formas de reprimir e disciplinar são bem mais sutis e não tão disciplinadoras, somos menos libertários. Caminhamos, como já disse, mais para a antipatia pelo Outro do que para uma empatia que nos preserve, em direitos iguais, com o direito à Diferença e à heterogeneidade. As pessoas com deficiência, por suas diferenças visíveis ou conotadas, além dos sentimentos eugenistas, ainda são sexualmente segregadas?

A existência de vida sexual para as pessoas com deficiência e seus direitos reprodutivos já são um tema que já abordei. Este filme integrou um projeto de levar os cegos ao cinema. Foi em 1998, no IAB, Instituto dos Arquitetos do Brasil, quando organizei, pelo DefNet, um Ciclo de Cinema e Pessoas com Deficiência, cujo nome já indicava nosso sonho: "Um Olhar para Além do Olhar".

Era a tentativa de provar que pessoas com deficiência visual poderiam frequentar e ''ver'' filmes. Criamos uma figura: os ''ledores de cinema''. Era uma incipiente tentativa de audiodescrever o que se passava na tela. Era também a tentativa de abordar temas que suscitassem polêmica, debate e reflexão. A questão da sexualidade negada de pessoas com deficiência foi, à época, trazida pelo Nascido em 04 de Julho.

Resgatar esse filme, hoje, me trouxe para o que há de atual ainda em seu modelo denúncia e crítica. Atualmente as nossas ''guerras'' são mais sofisticadas tecnologicamente, e os veteranos já estão sendo projetados como futuros ''avatares''. As suas cadeiras de rodas e seus corpos podem ser reciclados. Porém, me pergunto se perduraram os preconceitos quantos às suas sexualidades? Sim, devemos dizer retumbantemente.

Nossos tempos são de homofobias, xenofobias e, exagerando, ''deficientefobias''. O que diriam os vereadores paulistanos, em recente reação ao Dia do Orgulho Gay, se soubessem que muitas pessoas com deficiência são gays? Na sua intolerância, disfarçada de "democracia", iriam, demagogicamente, propor um projeto de lei "especial" para o Dia do Orgulho dos Heteros Deficientes?

Ainda passamos com um carro denominado Progresso, Ordem e Intolerância sobre o corpo-social de Pasolinis? Precisamos estilhacar e despedaçar o corpo-guerreiro de Aquiles para provar que nossas novas e americanas Tróias imperiais, conservadoras e belicosas são, apesar de derrotadas, eternas? Precisamos de corpos-serializados e perfeitos para provar para Breivik (ing)* e seu ''povo eleito'' que o terror não inibirá o desejo e muito menos a vida amorosa e sexual dos diferentes ou miscigenados? Precisamos de corpos-disciplinados, em reality-shows, competitivamente esculpidos em formas ideais, para provar que só podem fazer sexo aqueles que forem considerados "video-normais"?

Estes dias republiquei uma matéria de um vereador de Salvador que deseja ver os motéis de sua cidade acessíveis para as pessoas com deficiência. Veio em boa hora, um lembrete para que todas as cidades, seus políticos e cidadãos se lembrem da existência de uma considerável parte de suas populações: as pessoas com deficiência. E elas desejam, sentem, aspiram, respiram e fazem sexo. Assim também se amam ou não...

A proposta propõe a acessibilidade em motéis e hotéis da capital baiana, agora tramita na Câmara Municipal de Salvador. A proposta é de autoria do vereador Henrique Carballal (PT). Os estabelecimentos, hotéis e motéis, com mais de 20 leitos seriam obrigados a realizar adaptações para beneficiar pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida.

a Enquanto a lei não os obriga, imaginemos uma nova cena para a sexualidade livre de pessoas com deficiência. Outro dia um amigo mineiro, com histórica vivência de Paralisia Cerebral, me consultava se não seria motivo de prisão o fato, não ocorrido, de que sua namorada o levasse a um motel. Como ele é pessoa com paralisia cerebral, e tendo alguma dificuldade para explicar em palavras seus atos e desejos, como ficaria quando ele pedisse uma máquina de escrever, como aquela da Gaby, no filme Uma História Verdadeira, para explicar seu tesão e desejo pela namorada, que não é uma pessoa com deficiência??.

Então, ele começaria a digitar, hipoteticamente, com o pé esquerdo, a seguinte mensagem: " - Eu estou aqui por livre e espontânea vontade. Ela não me obrigou ou obrigará a fazer quaisquer dos atos libidinosos que nós dois estamos intensamente desejantes.


 EU TAMBÉM QUERO AMAR E SER AMADO, COM TODA INTENSIDADE QUE QUALQUER OUTRO SER HUMANO. E, caso ela fique grávida eu terei o maior prazer de me tornar pai e ajudar a cuidar de nosso filho. Apesar que isso não acontecerá, pois eu já aprendi a usar preservativos há muito tempo. Sei que pessoas com deficiência vivem também nos tempos da Aids. 


Portanto, caros senhores e senhoras, seres cinzentos da Censura e da falsa Moral, não há porque me manter em uma posição de dependência e total vulnerabilidade. Não continuem negando minha existência com direito às diferentes formas de sexualidade humana. Sou eu quem pediu para vir a este motel, aliás, inacessível..."

Somos, então, Diferentes, não somos desiguais em direitos. Semelhantes? sempre seremos, em muitos desejos. Por isso, reafirmamos, não somos assexuados. Somos parte de uma diversidade humana que, em suas pluralidades e singularidades, também afirmam como o poeta: Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amar. A(s) Sexualidade(s) não são deficientes nem deficitárias: são as expressões máximas da vida, quando são livres das amarras de nossos íntimos preconceitos ou temores.

O maior cuidado é quando nos tornam apenas objetos, Vidas Nuas. É quando passamos a vítimas de violências, inclusive, e, principalmente, meninas e mulheres com deficiências.

O tema é vasto, profundo, polêmico e necessário. Não se esgotará neste texto. Apenas espero que muitos jovens com deficiência, sem distinção de suas orientações e escolhas sexuais, possam gozar dos mesmos direitos sexuais e reprodutivos de todos os outros jovens daqui, dali e de todo o mundo. E que todos os motéis possam descobrir esses novos e prazeirosos frequentadores. E a acessbilidade deixe de ser apenas a remoção das barreiras físicas e arquitetônicas...

PS - Em tempo, sobre o projeto do vereador -
Segundo o Decreto 5296, de 2004, todos os hotéis, motéis, pousadas ou abrigos deveriam já devem estar com plena acessibilidade para as pessoasa com deficiência.
Segundo a lei: Art. 8o 

Para os fins de acessibilidade, considera-se: I - acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida

VII - edificações de uso coletivo: aquelas destinadas às atividades de natureza comercial, hoteleira, cultural, esportiva, financeira, turística, recreativa, social, religiosa, educacional, industrial e de saúde, inclusive as edificações de prestação de serviços de atividades da mesma natureza;


IMPRESCINDÍVEL LEITURA E APLICAÇÃO: DECRETO Nº 5.296 DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 ( favor citar o autor e as fontes em republicações livres na Internet e outros meios de comunicação de massa)

Indicações para LEITURA
A Revolução Sexual sobre Rodas" (Ed. Nome da Rosa ) - Fabiano Pulhman

A sexualidade da pessoa com deficiência - Leandra Migotto Certeza -
http://www.inclusive.org.br/?p=12340

Inclusão e Sexualidade: na voz de pessoas com deficiência -Ana Cláudia Bortozolli Maia (Editora Juruá) www.jurua.com.br

Indicações de publicações na Internet -
VEREADOR QUER MAIS ACESSIBILIDADE NOS MOTÉIS 
http://www.otabuleiro.com.br/blog/?p=11803

Vereador quer acesso para deficientes em Motéis -
http://www.bahianoticias.com.br/noticias/noticia/2011/08/05/99306,vereador-quer-acesso-para-deficientes-em-moteis.html#

Direitos (Sexuais e Reprodutivos) da pessoa com deficiência serão discutidos em seminário (no Piauí)
http://180graus.com/geral/direitos-da-pessoa-com-deficiencia-serao-discutidos-em-seminario-446318.html

Brasil: Orgulho Hétero ou Intolerância Homo?
http://pt.globalvoicesonline.org/2011/08/07/brasil-orgulho-hetero-intolerancia-lgbt/

Dica de filme: “Nascido em 4 de julho” - Diretor: Oliver Stone (1989) - Guia Inclusivo
http://www.guiainclusivo.com.br/2011/07/dica-de-filme-%E2%80%9C nascido-em-4-de-julho%E2%80%9D/

Gaby - Um História Verdadeira - Diretor: Luis Mandocki (1987)
http://incluirse.blogspot.com/2009/06/gaby-uma-historia-verdadeira.html

Alguns Blogs indicados sobre o tema:
Ações e reflexões sobre aids e deficiência: diferentes vozes
http://aidsedeficiencia2010.blogspot.com/

Sexo Eficiente http://sexualidadeficiente.blogspot.com/

Mão na Roda - Motel adaptado no Rio! http://maonarodablog.com.br/2010/02/26/motel-adaptado-no-rio/

¨*SOBRE  O TERRORISTA NORUEGUÊS BREIVIKING - Leia também no blog -
A TOLERÂNCIA É MAIS QUE UM BACALHAU NO MEU FEIJÃO http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/07/tolerancia-e-mais-que-um-bacalhau-no.html

10 comentários:

  1. Obrigada amigo por esse texto. afinal eh um assunto muito polemico e dificil das pessoas entenderem.

    morri de rir da sua soluçao para seu amigo ir num motel com a namorada. ate q ele escreve q ele nao foi obrigado e tal, ja rolou policia, a namorada ja foi pressa.... rs

    abraço

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  2. Querida amiga e sempre feliz Pri
    Espero que o texto ajude a remover as barreiras mais difíceis: as que se entranham nos corações e mentes...onde até as guerras tem mais justificativas do que o amor e o sexo... e que você não encontre-as no seu caminho para se sentir amada e amar...livremente
    um doceesaudosoabraço

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  3. Querido amigo, mais uma vez um texto maravilhoso! Muito obrigada por me ensinar a cada dia e agora por indicar meu humilde texto em seu fantástico blog. Beijos e abraços saudosos...

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  4. Querida e GRANDE amiga Leandra
    Obrigado pelo permanente estímulo com seus generosos comentários... e seu texto citado é de mesma importância e valor que o que escrevi. Precisamos de muitos mais textos,e, principalmente, ações para a remoção das barreiras atitudinais e as reconditas que não vêem ou reconhecem os direitos sexuais e/ou reprodutivos de pessoas com deficiência... Um grande e doceabraço

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  5. Doutor Jorge,
    Hoje estou passando apenas para lhe fazer um convite.
    Estou falando do www.superlinks.blog.br que é um site agregador que vale a pena visitar, pois é mais um espaço no qual você poderá publicar seus links de matérias, pois é um site sério e com critérios bem positivos.
    Espero que goste da dica.
    Um grande abraço

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  6. Cara Malu
    obrigado pela dica e se puder difunda os meus textos onde considerar importante e necessário... visitarei o link indicado. Um abraço doce dr jorge

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  7. Caro Dr. Jorge,
    Sou frequentadora de seu site desde 1999, quando passe a navegar na internet. Gosto muito de seu artigos. Hoje li este sobre sexualidade, assunto que acho muito importante. Tenho sequelas de mielite transversa e meu marido, Gilberto Porta, é tetraplégico em decorrência de um acidente de mergulho em piscina. Ele sempre diz que temos que desmistificar a sexualidade das pessoas com deficiência. Por isso gostamos muito de seu artigo e tomamos a liberdade de publicá-lo em nosso site. Gostaria que o senhor o visitasse: www.bhlegal.net. A propósito, soubesse que na nossa cidade, Belo Horizonte, há um motel com suítes adaptadas para pessoas com deficiência. Torcemos para que outros sigam o exemplo. Um grande abraço.

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    1. Carissima TELMA
      Me sinto homenageado e prestigiado com a referência e publicação deste texto no BHLEGAL, primeiramente por ser mineiro, lá do sul: Cambuquira.E, especialmente hoje, após muitas horas de exames tomográficos com contraste, seu comentário é um estímulo à VIDA, assim como devem ser as nossas sexualidades e suas pluralidades. Espero que o texto possa contribuir para desmitificação sobre pessoas com deficiência e suas vivências/experiências amorosas e sexuais. E que os espaços públicos, como os motéis, possam estar dentro do modelo de desenho universal, permanecendo como possibilidade para o livre exercício do sexo por todos e todas. Há um ditado dos nambiquaras que diz: fazer sexo e amor é bom para a vida.
      um doceabraço

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  8. Prezado Dr. Jorge, foi um prazer ler este texto onde o senhor conseguiu resumir tudo o que é preciso saber sobre as pessoas com deficiência e sua sexualidade e, principalmente a desmitificação desse assunto que já deu muito "pano pra manga".

    Publicamos (Telma e eu) no BHLegal.net no intuito de ajudar a abrir as mentes de muitos pais que superprotegem seus filhos, com boas intenções, é claro, e acabam por "castrá-los".

    Esperamos que tenha bons resultados nas tomografias.

    Um forteabraço.

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  9. marilaine.paula@hotmail.com22 de janeiro de 2013 às 23:02

    Prezado Dr Jorge, como sempre o seu texto é uma leitura prazerosa, já que consegue atingir as reais necessidades das pessoas com necessidades especiais. Aprecio sua visão, que muito distante está da visão assistencialista e demagógica que manifesta um falso protecionismo, mas que trás na realidade práticas segregadoras. As pessoas, sejam elas quem forem, com suas limitações, anseios, desejos, carencias, grandezas e fraquezas devem ter garantidos os seus direitos de acesso a todas as possibilidades do espaço comum da vida em sociedade. E a expressão da sexualidade, sem dúvida é tbem expressão da afetividade, por tanto, acessibilidade em moteis já deveria estar garantido.
    Lamentavelmente, ainda temos que utilizar esse espaço para discutir essa questão. Digo isso pq desejo ver o tempo em que não teremos mais que discutir os direitos e a inclusão social das pessoas com necessidades especiais.
    Abraços

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