quarta-feira, 30 de março de 2011

A TERRA É AZUL e o AUTISMO TAMBÉM...


Imagem publicada - um pedaço de um quebra cabeças que traz um rosto de uma criança, que nos olha e interroga, com o texto abaixo, que é difundido no site da ONU, pelo World Autism Awareness Day (Dia Mundial de Conscientização do Autismo), escrito com letras na cor laranja, trazendo o símbolo das Nações Unidas em azul, logo acima da frase. O quebra cabeças é muito utilizado para representar a heterogeneidade e os diferentes modos de ser e estar autista. (Foto David Rockind Design Kim Conger)



No dia 12 de abril de 1961, aos 27 anos de idade, Yuri Gagarin tornou-se o primeiro ser humano a ir ao espaço sideral, na nave Vostok 1, dando uma volta completa ao redor de nosso Planeta e nos legou uma das mais lindas frases: " A TERRA É AZUL". Me lembro, então menino, da fascinação com a idéia poética de morar, viver e sobreviver em um mundo todo azul. 

Essa cor à época nos fascinava com os ''blue jeans" que representavam a nossa filiação ao modelo norte-americano de vestir e se comportar. Todos queríamos andar vestidos de azul. Garotos e garotas do twist e do Rock nos inspiravamos nas calças jeans Levi's ou Lee. E nossos heróis também as vestiam, desbotamente azuis, nas telas de cinema. Nos identificavámos projetivamente com a rebeldia, a vontade instituinte e potência de mudanças, a contracultura e o sonho de um mundo sem guerras e violências.

Hoje às vésperas de mais uma data comemorativa e conscientizadora estou retomando meu velho guarda-roupa. Irei reabilitar meus velhos jeans, minhas camisetas azuis e minhas jaquetas tingidas do mais legítimo índigo blues. Mas agora não é por mera cópia do modelo cultural de James Dean ou outros mitos cinematográficos. Irei me vestir de azul por uma causa muito mais viva em minha vida profissional e pessoal. Irei vestir o azul como forma de lembrar um grupo de pessoas que vivem com a condição de Autismo.

O autismo já me tocou pessoalmente há muitos anos. E sobre esta experiência já escrevi nesse blog (leiam o texto Um Autista pode ser um Artista da água?). Mas é preciso, nesse momento, relembrá-lo com uma atitude tão afirmativa como a que tomei no passado. É preciso que tomemos o AZUL como uma segunda pele, uma segunda camada de vida sobre nossos corpos. É a hora de tomada de consciência da existência de milhares de ''rain man" no mundo. 

São as pessoas que vivenciam os diferentes transtornos invasivos do desenvolvimento. São os que chamamos de Autistas, desde sua conceituação por Leo Kanner em 1943, com sua aglutinação sob o manto diagnóstico de um grupo de crianças com distúrbios psiquiátricos. Este psiquiatra infantil as caracterizava como "portadoras de": "um isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da mesmice".

No dia 02 de Abril, a partir de 2008, é comemorado o Dia Internacional pela Conscientização sobre o Autismo (World Autism Awareness Day). Esta data foi proclamada em 18 de dezembro de 2007, quando a Assembléia Geral da ONU aprovou a resolução 62/139, apresentada pelo Estado do Qatar, que declara 02 de abril como Dia Mundial da consciência do autismo (Waad), em perpetuidade. Mas como promover essa consciência crítica?

Creio que deveríamos procurar o caminho de afloramento/aprofundamento dos nossos sentimentos provocados no contato com o sujeito com autismo. E, digo isso a partir de minha própria vivência profissional. Mas nem todo mundo tem a experiência do acompanhar, cuidar e conviver com as estereotipias e os sintomas que afetam um autista. Porém, creio eu, que os filmes e documentários hoje em proliferação possa, ser um bom meio de tomada de contato com a vida e os sentimentos que estes seres humanos provocam e vivenciam. Eu creio no possível efeito livre e crítico do cinema nos nossos inconscientes.

Um dos filmes recentes que recomendo é sobre Temple Grandin, que foi exibido pela HBO. O filme ficcional, mas quase documentário, ganhou prêmios, e se tornou um exemplo de rompimento de barreiras. Temple foi diagnosticada precocemente como autista, sua família, então, recebeu do modelo médico a indicação de sua institucionalização; depois, já na escola, foi chamada de gravador por repetir frases dos colegas. Mais tarde, em vida no campo, afeiçou-se pelas vacas e sua vida de confinamento a caminho do abate. Uma metáfora de vida autista em instituições do passado. Um isolamento institucional que até bem pouco era considerado o modo ideal de tratar os autistas.


Ela, após muitas lutas para ser menos excluída, com uma "máquina do abraço", ganhou espaço na universidade, atingiu o status de PhD em comportamento animal. Aos que não vêem sua possibilidade de inclusão escolar eu sugiro que assistamos sua história. Mas vestidos de jeans na alma, como uma experiência de identificação projetiva. Sugiro que nos coloquemos na pele de Temple. E que, vivenciando o próprio isolamento egóico, consigamos sair do egocentrismo e enfrentar o egoísmo dos que nos cerceiam e cercam, com máquinas que não abraçam, mas isolam, individualizam e, quase sempre, nos rotulam.

Em tempo, Temple Grandim tem uma indumentária quase sempre próxima do azul, pelo menos está sempre de jeans, e usa camisas listradas à moda texana. Por isso além de vestirmos os monumentos, as praças e as pontes de AZUL, estou convidando a todos e todas que nos coloquemos, coloridamente, azuis no dia 02 de abril. Mas, como já disse, é preciso que ele fique impregnado em nossas mentes e corações. É PRECISO QUE O AZUL DO AUTISMO ESTEJA PRESENTE MAIS DIAS EM NOSSOS DIAS.

NESSE TEMPO DE HOMOGENEIZAÇÃO E MESMICE, DITO ERA DIGITAL E IDADE MÍDIA, EM NOSSOS TÃO VELOZES, REPETITIVOS, ESTEREOTIPADOS, CONSUMIDOS, CONSUMIDORES E DISTANCIADORES COTIDIANOS..., o termo autismo acaba por ser mal utilizado em campos como a macropolítica e a economia, sempre significando um reducionismo de seu espectro ao isolamento egóico.

Relembro que já disse um dia, em outubro de 2007: "Precisamos, dentro de uma visão construcionista e pós-estruturalista, resignificar o lugar de sujeito para as pessoas com autismos, saindo da visão objetal e medicalizada de sua condição e existência, acreditando e exercitando o princípio de que eles, assim como nós, têm muito mais possibilidades do que limitações, para além de toda a complexidade de suas vivências, transtornos ou sofrimentos".

Vamos VESTIR AZUL no DIA 02 DE ABRIL... E QUEM SABE A SORTE DE MUITOS OUTROS E OUTRAS PODERÁ SER MUDADA... eu vesti azul e a minha sorte já mudou. Se o astronauta viu a Terra vestida de Azul, e se nos últimos dias de Lua Cheia, tão próxima de nós, os poetas e cantores puderam declamar e cantar em tom de "blues", se os artistas como Picasso, um dia, tiveram sua "fase azul", que tal reafirmarmos que O AUTISMO É AZUL. Mas isso só acontece e acontecerá: se nossos desejos de uma outra vida possível também forem intensificados em um devir azul como nosso planeta ainda em convulsão e tremores.... A TERRA É AZUL ... E O AUTISMO TAMBÉM! vamos cuidar, com muita suavidade, para que continuem assim.

Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2018 - (favor citar o autor e fontes em republicações livres na Internet e meios de comunicação de massa)


VOCÊ SABIA QUE - 
*el autismo afecta a 67 millones de personas en todo el mundo? O autismo afeta a 67 milhões de pessoas em todo o mundo?
• el autismo es el trastorno grave del desarrollo que se expande con mayor rapidez en todo el mundo? o autimos é um grave transtorno do desenvolvimento e que se expande com a maior rapidez em todo o mundo?
• este año el número de niños con diagnóstico de autismo superará el total de los que tengan diabetes, cáncer y sida? neste ano o número de crianças com diagnóstico de autismo superará ao total das que têm diabetes, câncer e Aids?
• la probabilidad de tener autismo es cuatro veces mayor en los varones que en las mujeres? a probabilidade de se vivenciar o autismo é quatro vezes maior nos meninos do que nas meninas?


Indicações de filmes, documentários:

RAIN MAN - Filme de Barry Levinson - 1988 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Rain_Man


Referências no texto:


INDICAÇÕES PARA LEITURA:
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Infantil - Francisco B. Assumpção Jr. Lemos Editorial - 1997
Children With Autism - A Parent's Guide - Michael D. Powers - Woodbine House , USA, 1989.

Sites:
AMA - Associação de Amigos do Autista - http://www.ama.org.br/html/home.php




Leia também no blog - 

domingo, 20 de março de 2011

01 NEGRO + 01 DOWN + 01 POETA = 01 Dia para não esquecer de incluir

Imagem Publicada - um cartaz comemorativo do Dia 21 de Março - Dia Internacional de Contra a Discriminação Racial com a frase de A. Einstein: " Época triste a nossa... mais fácil quebrar um átomo que um preconceito". Logo abaixo estão três pessoas: uma mulher loira à esquerda, uma caucasiana?, um bebê de olhos orientais, um japonês?, ao seu lado à direita esta uma mulher negra, uma africana?, elas estão envolvidos pelo mesmo cobertor de cor verde e barra lilás, unidos eles olham para o futuro onde as diferenças possam ser respeitadas e todas as formas de discriminação sejam eliminadas.

01 Negro + 01 Down + 01 Poeta = 01 dia para não esquecer de incluir

Os olhos ''diferentes'' de milhares de japoneses nunca foram tão vistos como agora. Esses olhos miúdos, puxados, orientais, também são os olhos que foram classificados de ''mongolóides'', e erradamente aplicados a sujeitos com deficiência intelectual por sua condição genética: a Síndrome de Down.

Hoje, quando Hiroxima e Nagasaki retornam na onda nipônica da Tsunami, esses nossos olhos também se arregalam, e trazem novamente o pesadelo nuclear. E nós, olhamos assustados a onda avassaladora e terrível no sol nascente. Há em nossos inconscientes, como ameaça indelével, uma arma invisível e mortal que nos exterminará: um cogumelo atômico?

Telespectadores do Capitalismo de Desastre, inebriados, na distância defensiva, televisivamente continuamos nos esquecendo que o Oriente é aqui. Negamos outros desastres próximo como do Haiti, do Chile e das Serras fluminenses.

As tragédias terminam sendo um passado que esquecemos rapidamente. Esquecemos para não nos mantermos próximos de nossas mais profundas angústias, quiçá de nossa pulsão de morte. Assim como nos esquecemos o pertencimento coletivo à mesma Gaia, o mesmo Planeta.

No próximo dia 21 de março novamente estaremos comemorando datas para não esquecer. Os esquecimentos precisam ser vencidos pelo desejo de viver outras experiências, de podermos traçar novas cartografias, vivenciar outras intensidades. Uma dessas vivências eu trago na minha própria pele. É, por isso, que me lembro do Dia Internacional pela Eliminação do Racismo, que foi instituído para rememorar o Massacre de Shaperville, ocorrido em 1960, em pleno Apartheid, quando negros sul africanos foram massacrados pelo exército.

Estes negros entram para a história, junto com Mandela, no seu movimento de resistência ao modelo racista e eugenista da Africa do Sul. Um modelo que adocicamos na América Latina e, na Terra Brasilis, é o chamado racismo cordial, e permanece ainda negado por muitos.

Por isso precisamos incluir + 1 negro nas comemorações que se farão neste mês. Temos de incluir um Negro com Síndrome de Down, ou seja, uma diferença que denote e conote criticamente a Diferença. Ao pesquisar a soma das palavras negros + síndrome de down na Internet, em busca de respostas, o que encontrei foi a confirmação de um modelo excludente naturalizado: as perguntas são sobre a existência, como anomalia, de presença da síndrome de down entre pessoas da ''raça'' negra. A pergunta que muitos se fazem: " é verdade que a Síndrome de Down não ocorre em pessoas com a pele negra?"

Essa ''inclusão" , que ora faço, é uma afirmação da coincidência de comemorações, pois dia 21 é também o Dia Internacional da Síndrome de Down. E uma pesquisa do CDC dos EUA afirma que as pessoas negras com Síndrome de Down têm sete vezes mais probalidades de morte precoce do que as brancas. Mas não há mais ou menos negros ou asiáticos que pessoas brancas down no mundo. O que há é uma visão medicalizada que transforma as crianças negras em populações mais vulneráveis. E vistas como minoria portanto mais marginalizável, com piores condições de vida, ainda mais por serem negras, reforçando-se a visão biologicista das mesmas.

A trissomia 21 é tratada assim como a ''pele'', dentro da visão puramente médica, e algumas perguntas explicitam a visão preconceituosa: Down como doença, e for negra debaixo de duplo preconceito, com a visão racista. Fala-se de ficar ''imune', ''não ter essa anomalia'', "quero saber se os negros tem alguma resistência a isso", enfim na vox populi, ou seja o senso comum do chamado ''povo'', a noção de prevenção afirma que a ''síndrome'' deve ser tratada como uma ''doença a ser evitada'', e se necessário eliminada por um abortamento eugênico.

No bojo das frases e falas sobre a existência de negros com síndrome de Down está latente a questão da eugenia. A condição genética da Síndrome de Down a coloca inteiramente inserida no campo da medicina por esta óptica. Já temos, por notícia recente, um teste preditivo sobre a existência de um feto com a síndrome ainda intraútero.

Por exemplo, a visão do Dr. Eduardo Fonseca, da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia: "“O nosso sonho é tirar o sangue da mãe e mapear os problemas do bebê. Essa descoberta seria o ‘Santo Graal’ da medicina fetal”. E nessa cruzada pela pesquisa de DNA, como no filme Gattaca, a experiência genética é determinante para a seleção de uma elite humana, dos que ''são válidos", ou seja eugenicamente perfeitos. Um ser humano nascido negro com síndrome de Down seria ''um azar enorme, como se um urubu tivesse feito uma m** duas vezes na mesma cabeça", é o que diria uma médica neurologista que passou e conheci na minha própria história de pai de pessoas com deficiência.

Portanto há, para além das crises e catástrofes que nos englobam e engolfam, visões preconceituosas. São modos de ver, sentir, catalogar, segregar ou discriminar que ainda transversalizam, práticas, ações, reabilitações ou até mesmo as legislações. 

 Temos a presença de nossos preconceitos, desde os altos escalões da macropolítica, dos bem intencionados das diversas religiões ou crenças, dos magistrados que ainda creem e vêem somente "portadores de necessidades especiais hipossuficientes", das famílias que justificam o isolamento suave ou o encarceramento duro dos seus filhos diferentes, dos profissionais de saúde que ainda andam de braços dados com o "retardo mental", dos políticos que se sentem ''legais'' com os ''deficientes mentais''.

Falhamos, na comemoração, pelo esquecimento de que todos e todas ainda não conhecemos, nem celebramos com a mesma intensidade e dedicação, um outro Dia da Diferença, um dia para a afirmação de direitos humanos que deveria, transversalmente, combater essas concepções. Um dia em que Down, negritude e poesia se misturam sem perder suas diferenças, porém exigem a mesma igualdade em direitos. E esse dia é todos os dias, a cada segundo, a cada rotação da Terra.

O dia 21 de março também tem uma comemoração "esquecida" assim como negros e pessoas com síndrome de down, é o Dia Internacional da Poesia. Essa comemoração também é uma diferença esquecida, talvez por seu potencial e diversidade. E com certeza em tempos de consumo, individualismo, egocentrismo e incertezas econômico-políticas, a poesia "não tem o mesmo valor".

Desde um HaiKai à um verso branco, passando por sonetos e rimas, a poesia pode ser um libelo, uma denúncia de nossos apagões da memória. A história e vida dos poetas que o diga. Por isso deixo como mensagem aos diferentes leitores e leitoras uma poesia de um negro, cubano, que dizia não ser um '' homem puro'', Nicolás Guilhén com suas Palabras Fundamentales:
Haz que tu vida sea
campana que repique
o surco en que florezca y fructifique
el árbol luminoso de la idea.
Alza tu voz sobre la voz sin nombre
de todos los demás, y haz que se vea
junto al poeta, el hombre.

Llena todo tu espíritu de lumbre;
busca el empinamiento de la cumbre,
y si el sostén nudoso de tu báculo
encuentra algún obstáculo a tu intento,
¡sacude el ala del atrevimiento
ante el atrevimiento del obstáculo!

Façamos, com inspiração, a soma de:
01 poeta negro + os atores do fime City Down (* E NO FUTURO, QUE NÃO ESPERÁVAMOS TÃO PRÓXIMO, OS COLEGAS-2013) + um pouco de ousadia e coragem + o desejo de outro mundo possível + ações para que nossas memórias não sejam apagadas ou melhor deletadas e distorcidas, e teremos uma combinação luminosa e rica de criatividade e invenção para a Vida na Terra em convulsão...
Vamos nos atrever na busca de resultados de outras matemáticas do viver?

copyright jorgemarciopereiradeandradedefnet (favor citar a fonte, autores e referências em republicações livre em quaisquer meios de comunicação de massa ou mídia)

Referências do texto na Internet:

"É verdade que a Síndrome de Down não ocorre em pessoas com a pele negra?"

Massacre de Shaperville - UM DIA PARA LEMBRAR. UMA INFÂMIA PARA ESQUECER 

Cientistas criam novo teste para detectar Síndrome de Down durante a gravidez 

FILME - CITY DOWN - A história de um diferente - http://citydown.webnode.com.br/

DIA INTERNACIONAL DA SINDROME DE DOWN
Mais informações: https://fbasd.blogspot.com/


VER TAMBÉM NO BLOG -
O VIGESSIMO PRIMEIRO DIA - CINEMA E SINDROME DE DOWN

A PAGAR-SE UMA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN

* AOS MEUS "COLEGAS", INTOCÁVEIS E INDEPENDENTES - O CINEMA REVERENCIA AS DEFICIÊNCIAS - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/08/aos-meus-colegas-intocaveis-e.html