quinta-feira, 17 de junho de 2010

MURDERBALL : QUANDO AS CADEIRAS DE RODAS SE CHOCAM... EM NÓS


Imagem publicada - cartaz do filme "Murderball, Paixão e Glória", indicado para o Oscar de melhor documentário em 2006,  tendo como protagonista principal Mark Zupan, um jovem norte americano  paraplégico em sua cadeira de rodas especial, com a bola deste jogo, que é o rugby em cadeiras de rodas. Hoje um esporte paralímpico, e que faz parte do documentário como um dos seus principais protagonistas nesse jogo, revelando ao mundo de pessoas não deficientes as potencialidades e habilidades imensas de quem aprende a superar quaisquer barreiras ou preconceitos. E quebra os modelos de heroísmo ou vilões que sempre foram impostos às pessoas com deficiência.

Eu confirmo que tenho um prazer enorme em assistir a documentários, e sei que muitos não gostam de seu estímulo realista e, muitas vezes,chocante.

Há alguns que conseguem além de chocar nos clamar por uma reflexão, para além do lugar de meros espectadores. Porém se chocar nossas consciências que se encontram adormecidas , no momento, pelos muitos meios de comunicação de massa voltados para um único esporte global: o futebol, já conseguirá nos lembrar de outras singularidades. Em tempos reality shows, convido aos meus leitores a nos chocarmos, em cadeiras de rodas, com um documentário onde há intensidade, afeto, agressividade, amizade e sexualidade em corpos ditos deficientes.

Vi um documentário de 2005, muito comentado no Festival de Sundance: Murderball, onde empolgou o público, ao conquistar mais este prêmio. É um documentário sobre a vida e as muitas emoções vivenciadas por jovens atletas de Rugby sobre cadeiras de rodas. O filme traz as disputas baseadas no mundo dos paraplégicos paraolímpicos e suas muitas 'humanidades', algumas por deficiências adquiridas na adolescência e outras vividas desde a infância.

Tive muitas sensações com este documentário devido à minha atual identificação projetiva com a perda de mobilidade, assim como com as mudanças que isso exerce no nosso inconsciente e no corpo. Pude ver como estes atletas utilizam suas cadeiras de rodas e seu próprios corpos para se manterem buscando outro sentido para suas vidas, para além de suas perdas. Eles demonstram as suas fragilidades também, mas se tornam mais fortes pelo sentido de grupalidade e amizade que seus times de rúgbi acabam gerando.

Murderball é o nome original de um esporte de contato, de 'full contact', ou seja os atletas devem se esforçar ao máximo para agressivamente derrubar outros oponentes, pela posse da bola em jogo. Hoje é chamado de 'quad rugby' e o documentário nos mostra duas equipes, uma norte-americana e outra canadense, disputando arduamente o caminho para as Paraolimpíadas de 2004 na Grécia.

Há um protagonista do documentário que nos afeta por sua determinação e desejo de vida, pois em seu acidente, após intensa embriaguez alcoólica e ficar por 13 horas aguardando socorro, nos fala da necessidade de resistir e de transmitir ao máximo esta determinação de sobreviver, vencer e ultrapassar barreiras. Ele tem um amigo que estava com ele no acidente, que é importante por sua revelação de como muitos se sentem diante de alguém com uma deficiência: com uma culpa mais imobilizante do que uma cadeira de rodas.

O tema da sexualidade&deficiências já está em evidência em nossos recentes lançamentos de livros, ou nos debates como o que virá sobre AIDS e deficiência, com um seminário sobre o tema, ver indicações abaixo. Este tema é uma das transversalidades em Murderball. Não há nem glamour nem mistificação, com uma abordagem simples e até didática, como a exibição do reaprendizado do autoerotismo e da busca de um novo olhar sobre o próprio corpo de quem está em cadeiras de rodas. Há momentos de humor e total descontração nessa visão do que algumas mulheres perguntam aos cadeirantes logo nos primeiros contatos.

Em tempos de futebol global, para este fim de semana verde-amarelo, com muitas surpresas a vivenciar, recomendo uma pausa para a reflexão sobre o mundo do 'para-desportos', assistam Murderball, a bola assassina de nossos corpos e mentes anestesiados... Pois, como diz um dos paraplégicos: - "não tem nada a ver com Olimpiadas Especiais..", que ainda, no processo de mudança de paradigmas, se destina aos que são considerados "deficientes intelectuais (mentais)", que podem e deverão ser parte ainda das "Olimpíadas", rompendo, no futuro, com o modelo idealizado de jogos de competição e liderança apenas para os corpos e mentes perfeitos e válidos.

Aí, possivelmente, teremos a ruptura e a mudança de um paradigma segregante e excludente, dentro e fora, dos campos, das quadras, das piscinas ou das pistas de atletismo, como Jesse Owens o fez em 1938 ao ganhar medalhas de ouro dentro de uma pista de atletismo cheia de suásticas nazistas.

Este atleta norteamericano e negro, obrigou a Hitler se curvar diante de uma realidade, qual um documentário, que rompeu com o ideal de homem ariano do nacional-socialismo. Mas mesmo medalhista de ouro ele não foi cumprimentado, na volta a seu país, os Estados Unidos, por seu presidente cadeirante, Franklin Delano Rossevelt.

Ele ainda continuava sendo segregado, incluído na ideia de raça. Ele, embora tornado um herói do Olimpo, compunham uma massa humana "diferente", sim como os outros negros do Alabama, que permaneciam como vidas nuas e cobaias para uma experiência grotesca  serem mantidos com sífilis não tradada para uma pesquisa científica sobre a evolução da doença. Estes tempos dos anos 30 duraram até os anos 70, quando o Estudo Tuskegee sobre sífilis ( 1932 - 1972) foi denunciado na mídia. Eis a encruzilhada entre a biopolítica, o biopoder e a bioética em todos os seus campos ou quadras.

Murderball, nascido nos anos 70 como um jogo agressivo e violento, onde cadeiras de rodas feitas especialmente para se chocarem, tornou-se o rugby em cadeiras de rodas das Paralimpíadas. Nossos outros jogos do Olimpo, se nos tornarem menos semi-deuses, em busca da nova suavidade até no choque entre nossas "cadeiras imóveis das emoções e das paixões", hoje e no futuro, talvez se choquem com nossos pre-conceitos. Murderball é uma boa opção para quem quiser reflexão, emoção, esporte e desejo de mudança de paradigmas, não sendo apenas mais um documentário sobre pessoas com deficiência física.

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 (favor citar a fonte e o autores, assim como obras citadas abaixo em republicação e difusãos livre pela Internet ou outros meios de comunicação)

DOCUMENTÁRIO - MURDERBALL (paixão e glória) - 
Direção:Henry Alex Rubin e Dana Adam Shapiro 2005 (EUA)
http://cinema2007.wordpress.com/2007/04/26/murderball-paixao-e-gloria/

Indicações de leitura :

Na Minha Cadeira ou na Sua? - Juliana Carvalho
http://www.deficientefisico.com/critica-do-livro-na-minha-cadeira-ou-na-tua/
Ética na Pesquisa - experiência de treinamento em países sul-africanos - Débora Diniz, Dirce Guillem, Ude Schuklenk (Eds.) - Letras Vivas & UNB - Brasília, 2005. (pág.76)

Seminário: “Ações e reflexões sobre Aids e deficiência: diferentes vozes” - 23 e 24 de junho de 2011 As inscrições devem ser feitas até 18 de junho, no site da APAE SP: www.apaesp.org.br

JESSE OWENS ( http://www.museudosesportes.com.br/noticia.php?id=11236 )

LEIA TAMBÉM NO MEU BLOG INFOATIVO.DEFNET - 
EM BUSCA DE UM CORPO "PERFEITO" PERDIDO, no tempo das Olimpíadas...   http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/08/em-busca-de-um-corpo-perfeito-perdido.html (onde falo de Oscar Pistorius, hoje em situação de desgraça e que não estará mais nessa busca, nesse frenesi da "perfeição", revelando-se apenas Humano, demasiadamente humano..., comentário acrescentado em 19/02/2013)

7 comentários:

  1. MEU CARO JORGE MARCIO,
    REALMENTE ESSE DOCUMENTÁRIO É MUITO BOM.
    E EU COMO RUGBEIRO, UM DOS PIONEIROS NO FOMENTO DO ESPORTE NO BRASIL. AGRADEÇO PELA DIVULGAÇÃO...
    É UMA ÓTIMA CONDIÇÃO DE MUDANÇA E ESTÍMULO NUMA CULTURA EQUIVOCADA DO NOSSO POVO, ONDE O TETRA (ASSIM COMO OUTRAS PcD DE LESÕES SEVERAS)SEMPRE É DEIXADO DE LADO E NÃO ACREDITA MUITO EM SI.
    VLEW

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  2. CARISSIMO JEFFERSON
    Agradeço seu comentario e espero que outras pessoas com e sem deficiência possam ter o prazer de assistir o Murderball e conhecer mais sobre o esporte na vida de pessoas com lesões medulares, muitas vezes chamados de "invalidos" ou outros termos pejorativos... nunca se fazendo uma qualificação das potencialidades de seus corpos e vidas... difunda para nossos amigos e amigas que militam por um outro olhar sobre as deficiencias. UM ABRAÇO FORTE E VIVO jorge marcio

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  3. Olá Jorge!

    Algum tempo atrás postei no blog, uma matéria sobre rugby em cadeira de rodas. Sei como funciona o rugby tradicional, entretanto ficava imaginando como seria em cadeira de rodas. Após assistir o vídeo, notei que eles são extremamente determinados, competitivos
    e corajosos. As histórias dos jogadores são de grandes exemplos de superação. Basta ver o nosso querido amigo Jeff, que é um exemplo e tanto.

    Fiquei sabendo sobre esse filme, mas ainda não tive oportunidade de assisti-lo. Depois do seu texto, com certeza assistirei...

    Colocarei esse link no blog, na segunda-feira.

    Parabéns pelo novo template do blog! A visualização está ótima!

    Abraços, meu amigo!

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  4. obrigada caro amigo voltarei com calma para ler seu blog!

    bju e final de semana feliz!

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  5. CARISSIMA VERA
    Agradeço mais uma vez seus comentários e seus estímulos para que continue com este blog... sou apenas um novato e preciso de aprender muito com pessoas como você que já está a mais tempo nesse rico trabalho de difusão de idéias, conhecimentos, informações e sentimentos... Espero que consiga ver o filme e acrescente novos olhares críticos ao tema deste documentário.
    Obrigado pela força no DEFICIENTE CIENTE...
    um abraço pelo mês de seu aniversário e pela torcida para que conquiste o TOP BLOG....ate o proximo texto jorgemarcio

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  6. Cara nova seguidora FATTI
    obrigado pela visita e espero poder retribuir em seu blog, bem como que possa saborear ou criticar os textos de meu blog nos próximos tempos... um abraço agradecido jorgemarcio

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